segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Do Desapego

09/12/2015 

(Sobre deixar partir) 

Desapego. É quase rotineiro o drama que se desenrola após o fim de um relacionamento. Os choros, olhos vermelhos, faces abatidas, noites insones. E a mesma pergunta, diferindo apenas em forma, a martelar a mente dos desafortunados: por quê? 
Por que me deixou? Eu era um bom namorado. Por que partiu? Eu o amava tanto. Por que me traiu? Eu sempre fui fiel. Por que o relacionamento se desgastou? Eu não me esforcei o bastante? “Por quê?”, Por que COMIGO? 
A grama do vizinho é sempre mais verde e sua dor, mais amena. Quando se trata do outro, tudo é simples, bobo. Sabemos sempre o que dizer, o que faríamos em seu lugar. É só uma questão de atitude. “Vamos, engula o choro, levante-se, a vida segue”. O furacão, visto de longe, chega a ser belo.  
Mas é no olho do furacão que os ventos rasgam a carne, partem os ossos e cria-se uma região de vácuo, um vazio silente e incômodo, grande mais para ser preenchido com festas, álcool ou companhias efêmeras; mas pequeno o bastante para se levar no peito.  
Vai-se a bares, tomam-se porres, conhece-se um sem-fim de novas pessoas e o vazio permanece impreenchido. “Por quê?”. 
Outros lábios serão os dele, outros corpos e tocará a ela. Não importa quantos outros perfumes, será sempre o odor daquele perfume a impregnar os travesseiros pela manhã.  
Tantos outros sorrisos te lembrarão o dela, muitos outros abraços te lembrarão o dele. "Por quê?”. A pergunta insistente martela nos ouvidos e o relacionamento findo paira fantasmagórico a assombrar os dias e noites.  
O vazio permanecerá no peito, como um buraco negro a tragar tudo em busca de algo que o possa preencher. “Por quê?”. Respostas. Respostas são a única coisa que podem fechar a ferida.  
Ocorre que as respostas, por vezes, têm um sabor muito amargo, pelo que se foge delas. Nalgumas vezes se possui as respostas, mas estão atravessadas na garganta, intragáveis. Precisa-se de algo para ajudar a engolir: Aceitação. Também não é saborosa.  
[...] 
05/02/2016 
Aceitar que acabou, que os dias partilhados se foram, que os risos, os abraços (e as brigas), se encontram irremediavelmente no passado, é como aceitar que o tempo investido na relação foi desperdiçado, que os esforços empreendidos em prol do relacionamento foram em vão.  
Desapegar equivale a seguir em frente, sem ignorar o passado e o peso das experiências nele contidas, mas tendo os olhos voltados para a frente, para que não (...). 
Aquele que viaja olhando para trás, apenas pode ver as paisagens deixadas para trás, as oportunidades já perdidas, e se apega a tudo que poderia ter sido se houvesse antecipado aqueles campos, mas sem nunca voltar seu olhar para o caminho adiante.  

Rhuan M.

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Do Adeus


(Sobre aprender a dizer Adeus) 

Mesmo nestes dias rápidos, de relações “fast food”, é fácil se apegar à pessoa “certa”. Todos, nalgum momento, precisam dum porto para baixar âncora e fazer reparos no casco depois de larga viagem e algumas tempestades.  
Por irônico que possa parecer, nestes tempos de sexo fácil e relações múltiplas e fugazes, ainda é mais fácil se apegar que dizer “adeus”. O apego se instala rápido e finca raízes profundas.  
Antes de prosseguirmos, esclareçamos algumas coisas: o apego a que me refiro não é o querer estar junto, natural nos relacionamentos saudáveis; o apego a que me refiro é o sentimento de posse sobre o parceiro, característica da relação de domínio. É deste que trataremos.  
O Apego é sorrateiro e costuma disfarçar-se sob o argumento de “cuidado” com o outro, sob a escusa da atenção e do zelo. Mas há um meio simples de os distinguir: Deixar partir. O apego é egoísta, ele se nutre do tempo e do esforço investido na relação, por isso ele se opõe ao fim do relacionamento, mesmo quando este já se encontra falido.  
Quem realmente cuida e se preocupa, sabe deixar partir. Por mais que lhe doa, sebe que o outro só pertence a si mesmo. Para estas pessoas, a felicidade do outro é um alento para a dor da partida.  
Aquele que nutre o apego não consegue perceber isso. Para ele, o fim do relacionamento é a aceitação do fracasso. É admitir que o tempo e esforço depositados naquela relação foram em vão. Não é o outro que o preocupa, mas sua própria frustração.  
[...] 

Rhuan M.

Retomando (?) os trabahos

Um ano ou tanto mais sem postagens.

Novas vivências, muitas experiências, pensamentos e informações, mas pouca escrita. Ao menos, deste tipo de escrita.

Espero, dentro em breve, remediar esta questão.

Contudo, andei a revirar antigos cadernos e encontrei material promissor de anos anteriores. Decidi redigir os arquivos e os irei postar aqui ao longo da semana.

A maior parte dos textos são de 2015, mas, curiosamente, eu os poderia ter escrito bem recentemente.

Sem mais delongas e até o mais breve, vos deixo, para além do meus cordial "adeus", com uma agradável trilha sonora:


https://www.youtube.com/watch?v=fPhkcg2ypyQ




Rhuan M.

sábado, 18 de novembro de 2017

Da Afetividade

Não quero carinho “porque”. Quero carinho “apesar de”.

É fácil que as pessoas lhe gostem, lhe nutram carinho e afeição, quando se dá a elas motivos para tal. Há nisso uma quase obrigação implícita de reciprocidade. É-se gentil, atencioso e prestativo com as pessoas e, com isso, elas sentem que em retribuição você MERECE afeto, carinho, afago. Mas é  uma relação de interesse e merecimento.
Enquanto forem atendidas as expectativas, enquanto as necessidades psicoafetivas forem supridas, enquanto se fizer por MERECER, então haverá a retribuição em carinho, afeto e apreço. Uma relação quase mercantilista de afetividade. Há nisso uma frialdade que corrompe a pureza do gesto, não mais espontâneo, desinteressado. É uma premiação, um reconhecimento de serviços prestados, valor reconhecido ou posto conquistado. Afeto assim é como um troféu: brilhante e frio.
As almas arredias talvez sejam mais venturosas neste quesito. Se por um lado, por seu caráter um tanto truculento e contundente afastam a quase todos que os cercam, os poucos que se quedam brindam-nas com o afeto mais genuíno e ilógico. Digo ilógico porque nasce de uma relação de contraproducência. Dá-se carinho e benquerença a quem nada faz por os merecer, pelo contrário, os desmerece. E daí ser tal afeto e benquerença tão genuínos: são desinteressados, não retribuídos, dados sem qualquer vantagem para quem os cede. Ama-se porque se ama, e isso se basta.
Se estas conjecturas são acertadas em alguma medida, ainda que não em sua integralidade, penso que a mim interessa muito mais o carinho “Apesar de”. Aquele que apesar de nossas falhas, apesar de nossos erros e deméritos, nos é dado de bom grado, sem que nada seja esperado em troca, mas que nos toca tão profundamente que nos faz querer retribuir de alguma maneira, ainda que nada nos seja pedido. É estranho que sejamos levados a querer merecer o carinho que nos é dado.
Quero menos carinho “porque”. Não quero a benquerença daqueles que me querem bem tão somente pelo bem que lhes posso proporcionar, pelos risos que lhes trago às faces ou pelo mérito de meus atos e feitos. Ao menos não quero que me nutram afeição tão somente por isso.

Em verdade, egoísta como sou, quero tudo. As duas coisas. Quero o afeto e afeição merecidos, mas não quero ter porque os mereço, mas quero sentir-me sempre disposto a merecer mais e mais o afeto e carinho que me seja dado sem que nada seja esperado em troca. 




Rhuan M.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Do Prazer

          
          As primeiras horas do dia mal haviam despontado quando um feixe de luz driblou as cortinas da janela, deixando o ambiente ligeiramente mais claro. Foi o bastante para a despertar. Levantou-se com cautela para não acordar o rapaz ao seu lado, cujo nome não se lembrava (não que isso a incomodasse). 

        Nas pontas dos pés, foi até o banheiro, lavou o rosto e tentou acomodar os cabelos desgrenhados. Fora uma noite intensa. Voltou ao quarto, se vestiu em silêncio, pegou sua bolsa e ensaiou um beijo no rapaz que dormia profundamente, mas desistiu no último instante para olhá-lo mais atentamente e percebeu que seus traços mal haviam se gravado em sua memória. 

          Trancou a porta ao sair e jogou a chave de volta, por baixo do vão, enquanto se perguntava se não deveria ter deixado um bilhete com seu número de telefone. Decidiu que não, ele saberia onde encontra-la, se quisesse. 


Rhuan M.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Do Amargor

     


     Você se foi, mas tua presença permanece. Os fios de cabelo no travesseiro, o perfume nos lençóis, o teu calor ainda em mim.
     Te esquivaste furtiva, pé ante pé, num cuidado sorrateiro para não me acordar. Partiu antes do raiar do dia e quando o sol iluminou o recinto, faltou-me a luz de teu olhar.
     Tua ausência ressoa mais alto nos resquícios de tua presença. Me espreguiço na cama e quase sinto o teu toque a me acariciar. Fito o teto sem o ver, como um náufrago a mirar o céu.
     Sensação de chocolate se perdendo no palato, depois de deglutido. As papilas reviram as últimas notas de doce e amargo, assim como remoo nossas lembranças fugidias. Tal como o chocolate, o doce se esvai primeiro, restando o amargor de teu corpo ausente.
     Me levanto por fim, olho-me no espelho, mas não me vejo. O desejo só vê a ti. Volto os olhos para a cama, os lençóis emaranhados, o altar sagrado profanado por tua ausência.

     
Rhuan M.

sábado, 4 de junho de 2016

Da Inquietude


Inquietude. Era esta a palavra. Inquieta por natureza. Mesmo quando encolhida sob os lençóis, aconchegada em sua cama e tomada pelo sono, a inquietude a dominava. Mil pensamentos lhe cruzavam a mente e se dissipavam antes mesmo de tomar forma. Um vendaval de ideias, emoções, negações e autoafirmações.

Tudo quer e tudo nega a um só instante.

Nada a satisfaz. Não é satisfação que ela busca. É a própria inquietude em sua forma inversa. Não tranquilidade, não isso. Mas uma inquietude que a tudo justifica, a tudo dá sentido.

Se algum dia estivesse satisfeita. Se insatisfaria com aquela falta de inquietude o que a inquietaria de imediato. Ela é assim: Inquieta.


Rhuan M.